Os sentimentos, o estado emocional e a qualidade dos pensamentos são capazes de influenciar diretamente o equilíbrio psicofísico podendo mesmo causar sintomas e doenças em várias partes do corpo.
Culturalmente somos educados dentro de uma formação positivista, onde os maus sentimentos devem ser negados e os bons cultivados. Sendo assim, alimentamos a intenção de nos mantermos sempre bondosos, bem intencionados, politicamente corretos, acima das tentações mundanas e dos prazeres vis. Ainda bem cedo entendemos que sentimentos como raiva, inveja, medo, ambição, desprezo, vingança, serão repreendidos, desprezados e rejeitados na família ou no meio social. Porém, qual adulto quando criança nunca teve raiva, ciúme, medo, inveja, entre tantos sentimentos negativos e comuns entre crianças que se maltratam em brincadeiras e atitudes infantilmente sórdidas no passado? E na adolescência então? O que fazer com esses sentimentos ruins gerados por experiências tão desagradáveis, mas inexoráveis na nossa história? Fazer de conta que tudo é belo? Reprimir a raiva? Perdoar os que nos magoaram e nos convencer que assim seremos sempre amados? Bem, as estatísticas de feminicídios, massacres públicos, pedofilia, crimes hediondos parecem mostrar que a cultura de repressão de maus sentimentos não depura o ódio, só acumula.
Os anos de trabalho como psicóloga me mostram o quanto as pessoas buscam em seus processos terapêuticos alcançar auto-aceitação, auto-estima e principalmente níveis de bom relacionamento com o próximo. Sendo que os traumas passados sempre retornam projetivamente, trazendo os sentimentos renegados das feridas passadas e fazendo muitos estragos na vida e nas relações do paciente. Quanto mais essas emoções são negadas, mais o valor emocional delas vai qualitativamente aumentando dentro do psiquismo do paciente, a dor se acumulando e ele se tornando uma pessoa mais rancorosa e amargurada. Muitas vezes o paciente despeja os recalques inconscientes em situações da sua vida cotidiana e de forma desproporcional. A não consciência dos sentimentos negativos pode causar muitos danos psicológicos por serem armazenados no campo psíquico com culpa e vergonha.
A pessoa pode enfrentar suas verdades internas, suas histórias passadas e resignificar cada parte da sua trajetória de vida num processo psicanalítico, depurando cada emoção negativa que, de certa forma prejudica sua vida e suas relações, aumentando sua relação de intimidade consigo mesmo e sua maturidade emocional.
Costuma ser muito difícil o processo de reconhecimento e transformação do nosso lado sombrio em fator de crescimento, pois isso passa por uma mudança paradigmática de valores onde também todas as emoções precisam ser reconhecidas como legítimas e aceitas como referenciais na história de vida de cada um. Assim, a pessoa pode entender porque sentimentos tão “feios” como inveja, ódio, covardia… se produziram no passado, como se desenvolveram em si e como devem perder significado a partir de um amadurecimento de vida e pensamento.
É claro que quando lidamos com emoções reprimidas é preciso ter cautela para não haver uma transferência autopunitiva de dentro pra fora e simplesmente se eleger culpados externos, assumindo assim uma vitimização somente para se livrar do peso desses sentimentos. É fundamental trabalhar o amadurecimento emocional e o auto-conhecimento para que a liberação dos conteúdos reprimidos tenha suporte psicológico adequado para sua devida resignificação.
É essencial resolver a relação consigo próprio frente à realidade do lastimável em você. O lado sombrio existe e não somos piores pessoas por isso. Todos nós passamos por dores, mágoas, feridas e maus tratos ao longo da vida… a diferença entre nós e os assassinos dos noticiários está no que fazemos com nosso lado sombrio…. deixamos esses conteúdos amargos se acumularem como um tumor invisível e vamos sair a punir projetivamente o mundo a nossa volta e a nós mesmos ou vamos tentar resolver, em propostas de análise, as feridas marcadas em nossa alma por aqueles que o tempo já levou?